segunda-feira, 17 de fevereiro de 2020

João Martins (Texto extraído da obra Retalhos de História, de Olímpio Rabelo)

No primeiro quartel do século XIX, como bem se observa no mapa do Exército anexo à monumental obra de IVO DO PRADO -CAPITANIA DE SERGIPE E SUAS OUVIDORIAS- era totalmente deserto, nas suas sesmarias do RIO DO PEIXE e CANSANÇÃO, o território compreendido hoje pelos municípios de CARIRA, JOÃO SÁ (Bebedouro) e PEDRO ALEXANDRE (Serra Negra). É bem de ver que as terras destes dois últimos municípios baianos pertenciam, até pouco tempo, a Jeremoabo.
Lagarto, por sua posição jurisdicional sobre Jeremoabo, exercia, através de suas principais famílias, preponderante influência econômica naquelas sesmarias, cujos proprietários nos deixaram, como tradição, à família da terra (Souza Freire) a vinculação de seu nome.
Só em 1831, depois de longos anos de freguesia, é que veio Jeremoabo a adquirir a sua emancipação política, à frente de cujo movimento tivemos o nosso parente JOSÉ RABELO DE MORAIS, ascendência do "Cel. Chico Rabelo", prestigioso chefe político largamente conhecido em toda aquela região sertaneja, no último quartel do século passado.
Adensava-se, depois do meado do século, a população naquela região do Vaza-Barris, ao longo do RIO DO PEIXE. A princípio, foram proprietários lagartenses, agora sob influência do CARITÁ (João Dantas dos Reis). Daí trazerem os DANTAS, de BOM CONSELHO, para vaqueiro da GUIA, JOÃO MARTINS e com ele os primeiros povoadores de MÃE CARIRA, partindo do RIO DO PEIXE. Ainda hoje se verificam nos traços de seus descendentes, espalhados em grande maioria, não somente pelo CARIRA, como naquela região mesma do RIO DO PEIXE, características étnicas da raça.
Dois quilômetros a leste da taba de MÃE CARIRA, nascente do rio ANINGAS, sesmaria de VARJADA, no divisor de águas VAZA-BARRIS-SERGIPE, aqui edificou JOÃO MARTINS, em 1865, a primeira casa, seguida depois das de seus filhos JOAQUIM e GONÇALO. Eu as alcancei na rusticidade de sua origem, à praça Martinho de Souza. Como que sentinela avançada à entrada do Sertão estava a primitiva, em frente ao cruzeiro desaparecido, enquanto as outras ficavam no alinhamento frente-sul daquela praça, Há quarenta anos não se via mais, naquela, a pedra fundamental da terra, monumento histórico desaparecido na voragem destruidora do Progresso.
Conta-se, por tradição, na verossimilhança de sua lenda, fôra MÃE CARIRA indígena remanescente a ser encontrada pelos primeiros povoadores, em sua taba nas imediações do TANQUE DO CARIRA a SACO TORTO. O fato é que até hoje, embora simplificado no princípio do século para CARIRA, lhe permanece o topônimo na vida secular da Cidade.
Finda a GUERRA DO PARAGUAI, -um dos fatores a influir, nesses cinco anos de guerra, no povoamento de MÃE CARIRA, como esconderijo, em suas matas desabitadas, ao recrutamento de varões, numerosos os de seu proprietário,- finda a GUERRA, já em 1870, debaixo de um jequiri ao lado de sua casa, começa JOÃO MARTINS um "ajuntamento" aos domingos.
Apesar de seu habitat rústico do sertão, mas em contato com civilizados, sua índole pacífica e de formação cristã o levou a construir, cinco anos depois, uma casinha de oração com cemitério de lado. Daqui em diante, com a morte do velho PATRIARCA nos foi entregue o destino da nascente povoação, sem nenhum fato ou acontecimento de vulto a assinalar, até o fim do século, progresso de vida social. O QUADRO COROGRÁFICO DE SERGIPE, escrito em 1896 por Laudelino Freire, nos dá testemunho disso, quando cita Mocambo e Alagadiço como povoados mais importantes do então município de São Paulo, sem se referir, de modo algum, à MÃE CARIRA.
Neste perpassar de século, duros foram os obstáculos, talvez mais de ordem étnica, na formação do meio. Mas nem por isso deixou o pioneirismo de JOÃO MARTINS, benfazejo em sua criação, -não obstante, acrescente-se ainda, o retardamento de progresso vindo até nós,- de ser exemplo edificante criador, em idênticas e gloriosas caminhadas emancipadoras, no acelerar o desenvolvimento dos nossos dias.
No centenário de sua obra imorredoura, aqui está, pois, o culto da minha homenagem à sua memória, fadada a desaparecer no esquecimento do passado, se não lhe resguardarmos lugar de honra na GALERIA dos nossos benfeitores.


Carira, 20-1-1965.

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