De 1899 a 1911, a intendência da Vila de
São Paulo (atual Frei Paulo) sofreu forte influência do alferes Manuel Hipólito
Rabelo de Morais, que por aqui começou a se estabelecer em 1880, com a
compra de terras, onde fundou o arraial do Gameleiro.
Por essa época,
segundo a tradição oral, os habitantes do Carira sofriam intensa
hostilidade da polícia, principalmente aos domingos, na feira: o
desenvolvimento do Carira incomodava Manuel Hipólito, que não queria ver
prejudicada a feira do Gameleiro. Assim começou o século XX em nossa
terra.
A severidade com que o intendente tratava os carirenses causou
enérgica reação. Notabilizou-se Martinho de Souza Freire pela coragem
de enfrentar a gente do alferes e defender o pequenino Carira.
Outro
morador com importante papel nesses confrontos foi o jovem José Antônio
dos Santos, apelidado de Santo Inácio. Certa vez, farto das agressivas
investidas da polícia, combinou com Manuel Amâncio e com outros amigos
uma resposta à altura da arbitrariedade que sofriam. Armaram-se de
cacetes e, com extremo ímpeto, expulsaram os soldados na próxima visita
indesejada que estes fizeram à feira do Carira. Este episódio consta do
folheto intitulado "História de Carira", de autoria de José Francisco
dos Santos (Juca de Zé de Santo), neto de Santo Inácio.
Quanto à
origem, ele era filho de Antônio Inácio de Souza, membro dos Inácios,
família que participou do desbravamento de boa parte do atual município
baiano de Pedro Alexandre, em localidades como Quati, Deserto, Tanque
Novo, Lagoa das Pedras, Pindoba, Cipó de Leite e outras; e a maioria dos
seus irmãos não morava no Carira: Geminiano Antônio de Souza mudou-se
para o sul da Bahia, mas deixou filhos em nossa região; João, apelidado
de João Grosso ou João das Abóboras, e Sancha moravam em Lagarto; e
Rufina residia no Descoberto.
Em Pedro Alexandre, à época pertencente
a Jeremoabo, Santo foi dono de duas propriedades: o Campo Formoso e as
Abóboras. Esta última foi vendida a Napoleão Emídio da Costa, primeiro
prefeito de Frei Paulo. Nos atuais limites entre Pedro Alexandre e
Carira, pertenceu a ele a Lagoa da Jurema, próximo aos Perdidos e
Divisa; e em Carira, terras no Descoberto, para onde se mudou.
No
início deste texto nos limitamos a citar um único atrito entre moradores
do Carira e a polícia. Bem sabemos que essa não foi a única
demonstração da valentia e coragem de Santo Inácio. Mas a sua mais
importante obra foi o cemitério do Descoberto, que perpetuou seu nome.
Segundo o senhor Paulo Alves de Oliveira (Paulo dos Perdidos), a
pretensão inicial era reservar uma pequena área de terra para o enterro
de natimortos ou recém-nascidos que morressem pagãos. Mas pela abertura
de algumas exceções, adultos também foram enterrados, e aquela modesta
ideia acabou se tornando um cemitério comunitário - Cemitério de Santo
Inácio, como ainda hoje o chamamos, não pela consagração ao santo, mas
pelo apelido do fundador. Após a morte dele, aquele campo santo passou
aos cuidados do seu genro Maximino Alves de Oliveira (Maximino dos
Perdidos).
Já se perdeu de nossa memória a data do falecimento desse
vulto carirense. José Alves dos Santos (Zequinha do Sorvete), também
neto dele, afirma ter sido em 1961, portanto há mais de cinquenta anos. Também já morreram
quase todos os seus filhos, bem conhecidos em Carira e região: Ananias
José dos Santos (Zé de Santo), sogro do vereador José Francisco da Silva
(Zé Guarda); Maria Madalena de Oliveira, mãe do senhor Paulo Alves de
Oliveira (Paulo dos Perdidos); Olívia Maria de Jesus; Manuel Martins dos
Santos (Manezinho de Santo); Josefa Maria de Jesus (Zefinha dos Olhos
d'Água); Genário Antônio dos Santos, pai do comerciante José Alves dos
Santos (Zequinha do Sorvete); Margarida Maria de Jesus, única
remanescente, com mais de 95 anos de idade; e outros.
A conclusão
deste texto não seria possível sem a gentil colaboração dos senhores
Paulo Alves de Oliveira (Paulo dos Perdidos) e José Alves dos Santos
(Zequinha do Sorvete), netos de Santo Inácio. Aqui expressamos nosso
agradecimento a eles e a Gregório Martins Nunes, Cesária Maria dos
Santos e Vicencia Maria de Souza, que também nos ajudaram. Pesquisamos
as obras CARIRA, de João Hélio de Almeida, e HISTÓRIA DE CARIRA, folheto
de literatura de cordel, de autoria de José Francisco dos Santos (Juca
de Zé de Santo). Cemitério de Santo Inácio, no Descoberto, Carira.